domingo, novembro 28, 2004

Não dou, não tô, não vou

O homem que diz "dou" não dá Porque quem dá mesmo não diz O homem que diz "vou" não vai Porque quando foi já não quis O homem que diz "sou" não é Porque quem é mesmo é "não sou" O homem que diz "tô" não tá Porque ninguém tá quando quer trecho de Canto de Ossanha (Baden Powell e Vinícius de Moraes)

A festa da inconstitucionalidade

Constituição da República Federativa do Brasil – 1988 Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. O infeliz episódio do qual o fotógrafo Marcelo Min foi vítima na sexta-feira, 26 de novembro, demonstrou o despreparo, a truculência e a covardia de alguns profissionais contratados para fazer a segurança privada das mansões dos bairros chiques paulistanos. Min, que estava no Brooklin, a trabalho, pela Folha de S.Paulo, de plantão na rua onde mora Paulo Maluf, foi violentamente agredido pelo segurança da mansão vizinha à do político, depois que o carro do jornal foi impedido de estacionar em uma vaga livre na rua. (CF/88, Art. 5º, inciso II – Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei). Após uma conversa na qual Min falou sobre o seu direito constitucional de não só estar ali como também o de registrar a movimentação, ele foi golpeado várias vezes com um cassetete. (Art. 5º, incisos IV – É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; e IX – É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença). Pessoas que testemunharam a cena disseram a Min que o segurança usou uma barra de ferro para agredi-lo. Depois da surra, ele ficou muito assustado com o coldre, embora vazio, na cintura do segurança. “Se ele estivesse armado, eu estava ferrado.” O fotógrafo levou seis pontos na cabeça e passa bem. O agressor Marcelo Silva, de acordo com as notícias mais recentes, permanece detido no 15º Distrito Policial por ter sido preso em flagrante e pode ser indiciado por tentativa de homicídio. Contra a Gocil, empresa da qual talvez ainda seja funcionário, em breve pesará um processo judicial. O proprietário da Gocil, segundo Min, é o tal vizinho do Maluf, mais um empresário que lucra rios de dinheiro numa indústria que cresce às custas do medo alheio. Como disse o próprio Marcelo Min, o assunto rende uma bela pauta. A segurança pública não dá conta do recado, quem pode, banca sua fortaleza particular recorrendo a empresas que oferecem sua mão-de-obra muitas vezes barata e mal treinada, para reprimir, censurar, agredir e humilhar os cidadãos que contribuem em dia com os impostos, na esperança de ter também garantida, a sua proteção (outro direito constitucional). Casos de violência como a que sofreu Marcelo Min, revelam que voltamos aos tempos de ditadura, só que dessa vez, não oficializada. Para quem está por trás desses atos repressivos, vale tudo na tentativa de barrar e calar a liberdade de expressão ou limpar a sociedade de seres considerados indesejáveis. Será que já nos esquecemos das chacinas de moradores de rua, dos meninos da Candelária, do índio queimado em Brasília por jovens protegidos pelos cargos ostentados pelos pais? (Art. 5º, inciso III – Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante). Ou será que de tanto ler, ouvir e ver notícias como essas já nos acostumamos com elas e acreditamos não ter mais solução? Que a repercussão dada à violência sofrida por Marcelo Min e por tantos outros cidadãos excluídos ou não da sociedade, iniba outras atitudes como essas. Imagens da agressão a Marcelo Min

quarta-feira, novembro 24, 2004

Infidelidade feminina e genética

Alguém, pelo amor de Deus, pode me explicar, em que um estudo como esse pode ser útil? O que eles estão tentando concluir, afinal? Quarta-feira, 24 de novembro de 2004 16h01 Genética influencia infidelidade feminina, diz estudo da Folha Onlineda Reuters Fatores genéticos influenciam a infidelidade feminina e o número de parceiros sexuais que as mulheres têm durante a vida, afirmam cientistas britânicos.Eles avaliaram as respostas de 1.600 pares de mulheres gêmeas com média de idade de 50 anos em uma pesquisa confidencial para entender o possível impacto dos genes no comportamento. "Descobrimos que cerca de 40% dos fatores que influenciam o número de parceiros sexuais e a infidelidade são fatores genéticos", afirma o professor Tim Spector, diretor da Unidade de Pesquisa de Gêmeos do Hospital St. Thomas, em Londres. Mas ele não descartou o papel do ambiente e da educação na hora de explicar a infidelidade no universo feminino. "O fato de os traços psicossocial como o número de parceiros sexuais e infidelidade funcionarem como outros traços genéticos dos humanos dá suporte a teorias da psicologia evolucionista para fundamentar a origem do comportamento humano", disse o cientista. A pesquisa questionou as gêmeas sobre seu comportamento sexual, o número total de parceiros e suas atitudes diante da infidelidade. Uma a cada cinco (22%) admitiram já terem sido infiéis. "Mais de 90% das mulheres admitiram terem tido pensamentos infiéis em algum momento", disse Spector, que publicou seu estudo no jornal "Twin Research".Os cientistas acreditam que muitos genes podem estar associados ao comportamento sexual de homens e mulheres - mais especificamente, genes contidos nos cromossomos 3, 7 e 20. Em outro estudo também publicado pelo "Twin Research", a equipe de Spector relaciona a genética em distúrbios do sono.

quinta-feira, novembro 18, 2004

Crio, logo existo

Não gosto da revista Veja, quero deixar isso bem claro aqui. Mas de vez em quando uma matéria ou outra pode ser útil. Até ajuda a acender a lâmpada da inquietude, dar uma idéia e me levar a algum lugar, nem que seja ele a frente do computador, para escrever mais um textinho no meu "brog". A matéria que reproduzo na íntegra, abaixo, por exemplo, diz coisas importantes. Ela está guardada há mais de um ano nos meus arquivos. Acabei de achá-la sem querer. No ano passado, fui convidada a participar do projeto de uma nova revista. As pautas valorizavam o poder de inovação e criatividade dos brasileiros. Em vez de falar com os diretores, gerentes e donos de grandes empresas, que muitas vezes estão lá pra cumprir um protocolo e encher nossos ouvidos (que, de uma vez por todas, não são pinicos) de bobagens, escolhemos quem efetivamente coloca a mão na massa, cria, entende do seu ofício sem firulas e fornece as informações para o cargo mais alto da pirâmide hierárquica sair bonitão na foto. Os melhores ficam escondidos atrás dos bastidores. O editor da revista piloto que preparávamos, nos indicou a leitura. A reportagem da Veja fala sobre a capacidade de criação e inventividade do brasileiro. Não aquela impalpável, mais voltada à fantasia. Mas aquela que quando posta em prática, abala uma estrutura, mexe na rotina e promove uma mudança. "Se nem sempre é possível mudar o mundo com uma idéia, freqüentemente é possível melhorar a própria vida." Conseguimos produzir um número da revista (aquele projeto que mencionei lá em cima). Ficou linda. Pautas maravilhosas, apuração, textos e edição, melhores ainda. Projeto gráfico, primoroso. Equipe, nota 10. Todos, editores, repórteres, fotógrafos e designer gráfico, talentos soltos, sem o devido reconhecimento, mas unidos nesse ideal que ainda não foi pra frente por falta de apoio (lê-se grana), e que foi uma baita satisfação realizar. Uma hora, ele desencanta. Bom, chega de trololó. Vamos à tal matéria da Veja. A idéia que mudou a minha vida: a criatividade é a chave para se destacar do rebanho. Aprenda a usar a sua em benefício próprio Crio, logo existo. Essa adaptação da máxima do filósofo francês René Descartes traduz com fidelidade o que ocorre no mundo do trabalho nos tempos atuais. Para ter sucesso, não basta ser competente e dedicado. No mundo de hoje, são muitos os que têm essas duas qualidades. Além delas, é preciso ser criativo. Esse item faz a diferença. "É a criatividade que tira o profissional do sopão dos medíocres", diz Francisco Britto, um dos sócios da consultoria paulista BW, especializada em gestão de talentos – ramo que surgiu justamente para atender às novas necessidades das empresas. Pense em seu círculo de amigos. Eleja ali três pessoas que se destacaram em suas atividades – quaisquer que sejam. É grande a possibilidade de que, por trás dessas histórias de sucesso, se encontrem profissionais inventivos, capazes de superar a rotina. Um empreendedor que percebeu, antes dos concorrentes, a necessidade de colocar um novo produto no mercado. Um executivo que, dentro de uma empresa, descobriu um novo filão de negócios. Um cientista que desenvolveu uma nova tecnologia em laboratório e atraiu o interesse de investidores de peso. As pessoas bem-sucedidas são competentes e dedicadas – se não o fossem, já teriam sido expelidas do mercado das profissões. As que aparecem com realce, no entanto, costumam ter também boas idéias. É assim que se destacam do rebanho. São o inverso dos acomodados, os medíocres que constituem a maior parte da força de trabalho e ajudam a manter o mundo girando sem, no entanto, alterá-lo de alguma maneira. A criatividade é a ferramenta que forjou o mundo. Ela está presente em tudo o que é humano. Graças a pessoas criativas, foram inventados a roda, a caneta esferográfica, o computador em que esta reportagem foi escrita e uma infinidade de outros objetos que parecem existir desde sempre. Para não falar dos sistemas filosóficos, das teorias econômicas e das hipóteses astronômicas. Criatividade é uma extensão da inteligência. A especialista inglesa Margaret Boden, autora de um dos melhores livros sobre o tema, The Creative Mind (A Mente Criativa), define inteligência como a capacidade de armazenar e manejar adequadamente um vasto volume de dados. A criatividade seria o poder de síntese, ou seja, a faculdade de combinar esses dados para obter algo novo e útil. Mal comparando, uma pessoa inteligente vê estrelas e sabe dizer o nome delas, enquanto um ente criativo consegue enxergar os desenhos que as constelações formam. O físico alemão Albert Einstein, formulador da teoria da relatividade, definia seu trabalho como uma "arte combinatória". Essa habilidade em juntar elementos, linguagens ou áreas do conhecimento está por trás das principais descobertas científicas e criações artísticas. O engenheiro alemão Werner von Braun levou o homem à Lua combinando a ciência da fabricação de bombas – que havia aprendido enquanto servia ao regime nazista – com princípios de navegação aérea. Os florentinos criaram a ópera, no século XVI, misturando as artes da música e da encenação. Às vezes uma necessidade imediata está por trás de uma idéia engenhosa. Viciado em bridge, o lorde inglês John Eduard Montague inventou o sanduíche porque não queria parar de jogar na hora do almoço. Os casos acima, em diferentes medidas, mudaram o mundo – afinal, até hoje as pessoas assistem a óperas e comem sanduíches (de preferência não ao mesmo tempo), enquanto da tecnologia dos foguetes surgiram as sondas e os ônibus espaciais. Mas a criatividade não é atributo apenas de artistas e cientistas. Em maior ou menor grau, ela é inerente ao ser humano. Se algumas pessoas desenvolvem o seu potencial criativo, enquanto outras não, isso se deve a um fator primordial: o prazer de pensar. Para alguém criativo, ter uma boa idéia é, antes de tudo, agradável e gratificante. Como dizia o cientista italiano Galileu Galilei na peça do alemão Bertolt Brecht, "pensar é um dos maiores prazeres da raça humana". Se nem sempre é possível mudar o mundo com uma idéia, freqüentemente é possível melhorar a própria vida. E é no ambiente de trabalho, onde os seres humanos passam a maior parte do dia e são constantemente colocados diante de desafios, que esses pensamentos transformadores surgem com maior freqüência. Você é criativo? E, afinal, o que define um profissional criativo? Os especialistas concordam em alguns pontos. Primeiro: é alguém dotado de curiosidade. Alguém que, ao receber uma tarefa, não se limita a cumpri-la da maneira que o chefe mandou. Quer saber por que está fazendo aquilo e como seu trabalho irá repercutir nas outras áreas da empresa. Tome-se o caso de Wilson Maciel Ramos e Márcio Zapparoli, da companhia aérea Gol. Uma segunda virtude é a inquietude. O profissional criativo não se contenta em fazer apenas o que se espera dele. O que se espera, por exemplo, de um advogado? Que, baseado em seu conhecimento das leis, oriente corretamente seus clientes. Um advogado criativo, no entanto, cruza códigos jurídicos, caça dubiedades forçando a revisão das leis estabelecidas – o que, em última análise, faz com que o direito evolua. Enquadra-se nessa categoria a tributarista Luciana Rosanova Galhardo, sócia do conceituado escritório paulista Pinheiro Neto. Uma terceira característica é o realismo. A visão clichê de uma pessoa criativa é a de alguém sonhador, que evita as tribulações do mundo real. Isso é uma bobagem. Um profissional criativo é aquele que sai a campo, confronta-se com a realidade – e esse choque acende a faísca das novas idéias. É o caso de Eliane Macari, que trabalha na área de marketing da 3M brasileira, baseada na cidade de Sumaré, em São Paulo. "Um profissional criativo é sobretudo alguém que, diante de um problema, levanta diferentes alternativas, em vez de limitar-se a soluções conhecidas de antemão", resume a professora Tania Casado, coordenadora do centro de carreiras da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo. Existe uma revolução em curso no mundo das profissões. O professor americano Richard Florida, da Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh, escreveu sobre ela no livro The Rise of the Creative Class (A Ascensão da Classe Criativa). A tese de Florida é que a era do conhecimento testemunha o nascimento da "cultura criativa", em oposição à "cultura corporativa". Na época atual, a capacidade de realizar tarefas corretamente não é mais a mercadoria que os empregados vendem aos empregadores. Isso seria a característica da cultura corporativa, com suas empresas altamente hierarquizadas. Na era criativa descrita por Florida, as pessoas vendem, acima de tudo, sua capacidade de pensar. Espera-se mais de um profissional hoje do que no passado. "As profissões estão mais estressantes, mas são também muito mais interessantes, mais prazerosas", disse Florida a VEJA. "E o novo mundo do trabalho não é apenas uma corrida por melhores salários, mas também por desafios. Os profissionais querem ter o prazer de criar uma obra de arte inédita, um produto novo, um experimento científico em que ninguém tinha pensado antes." Em sua pesquisa, Florida constatou que um profissional criativo estimula seu cérebro também nas horas de lazer. Ler bastante, freqüentar cinema e teatro, viajar para conhecer outras culturas, ter um hobby que exige atenção constante – como jogos de computador ou esportes radicais – constitui um padrão entre os que são bem-sucedidos. Nos Estados Unidos, a busca de estímulos faz com que essas pessoas se concentrem em cidades de vida cultural intensa e ambiente tolerante. Um caso clássico, citado em reportagem da revista Newsweek sobre o assunto, é o da cidade texana de Austin. No fim dos anos 70, surgiu lá um importante movimento de rock de garagem. Isso fez com que empresários se animassem a construir uma grande casa de espetáculos na cidade. Com todos esses atrativos, Austin se tornou uma meca da juventude no sul dos Estados Unidos. Na hora de escolher um lugar para instalar seu quartel-general, a empresa de informática Dell – hoje uma das gigantes do ramo – decidiu-se por Austin justamente por causa disso. O silogismo: jovens gostam de computadores, informática é um setor para pessoas criativas, e roqueiros em geral são jovens e criativos. Florida observa também o crescimento dos profissionais pagos apenas para ter idéias. Estão nesse campo os consultores em várias áreas e, principalmente, os cientistas contratados pelas empresas para desenvolver novos produtos e tecnologias. Estes constituem a face mais evidente da classe criativa. É um fenômeno ainda típico de países do Primeiro Mundo. "No Brasil, quando alguém fala que é cientista, as pessoas perguntam a qual universidade ele pertence. Nos Estados Unidos, quando digo a minha profissão, logo querem saber para qual companhia eu trabalho", conta o carioca Henrique Malvar, que atua desenvolvendo novos produtos para a Microsoft, em Seattle. A idéia que mudou a sua vida foi criar, há alguns anos, uma câmera para transmissão de videoconferências em que a objetiva se dirigia automaticamente ao lugar de onde vinha a fala. Reluzindo em seu currículo, a proeza ajudou a despertar o interesse da empresa de Bill Gates. Malvar teve de emigrar para os Estados Unidos para exercitar suas habilidades de inventor. Se continuasse no Brasil, provavelmente estaria recebendo um salário ridículo como professor universitário e não teria um laboratório decente para trabalhar. Por aqui, 80% da pesquisa é feita pelas faculdades (trata-se, majoritariamente, de uma pesquisa burocrática e inútil). E apenas 20% da pesquisa nacional está nas mãos da iniciativa privada. Nos Estados Unidos, ocorre o contrário. Isso é ruim para o Brasil. "A experiência mostra que em todas as economias desenvolvidas, onde há elevado grau de inovação, são as empresas, e não a universidade, as maiores responsáveis pela pesquisa", constata Carlos Henrique de Brito Cruz, reitor da Universidade Estadual de Campinas. O químico carioca Carlos Khalil também faz parte da turma dos cientistas-inventores. Ele desenvolveu um processo de desentupimento de oleodutos em grandes profundidades. A tecnologia criada pelo químico rendeu milhões à Petrobras, onde ele trabalha, e vem sendo empregada em vários países do mundo. "Sinto-me um privilegiado por poder ver minhas descobertas sendo aplicadas no mundo real, o que nem sempre acontece a um pesquisador acadêmico", celebra Khalil. A Petrobras é a empresa brasileira que mais registra patentes, à razão de uma a cada quatro dias. Como ela consegue? "Investimos 240 milhões de dólares por ano nisso, mantemos convênios com 232 universidades e institutos de pesquisa e empregamos 750 cientistas na companhia", informa Elias Menezes Oliveira, gerente executivo do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da estatal brasileira. Moral da história: inovar rende fortunas, mas custa caro. Fala-se muito que o brasileiro é um povo criativo. Por que, no entanto, somos um dos países do mundo que menos registram patentes? Talvez isso se deva à falta de uma cultura criativa, como existe nos Estados Unidos, pátria do maior inventor de todos os tempos, Thomas Alva Edison. Lá, idéias valem dinheiro – e o estímulo do dinheiro potencializa as novas idéias, mecanismo que faz girar a roda do capitalismo. "A maior parte das empresas brasileiras não sabe lidar com a inovação. Nos Estados Unidos, todas têm departamentos para analisar a viabilidade de novos projetos. No Brasil, muitas vezes as boas idéias caem no vazio", diz Antonio Carlos Teixeira da Silva, consultor na área de criatividade. Os brasileiros apenas engatinham na área da criatividade empresarial. Por aqui, a expressão "novos projetos" designa em geral omeletes montadas a partir de sobras de outros pratos guardadas na geladeira, como se isso constituísse grande novidade. O americano Hitendra Patel, sócio do Monitor Group, consultoria estratégica ligada à Universidade Harvard, aponta três traços da cultura brasileira que dificultam a inovação. A enorme burocracia para abrir novos negócios. O ambiente excessivamente hierarquizado nas grandes empresas, onde o profissional tem de passar por vários níveis antes de apresentar suas idéias. E o fato de não valorizarmos tanto os modelos de inovação e sucesso. "Nos Estados Unidos, quando alguém é bem-sucedido numa área, ele passa a ser admirado. No Brasil, muitas vezes a primeira reação das pessoas é de desconfiança, como se o sucesso se devesse não ao mérito, mas à amizade de poderosos. O culto aos modelos de sucesso é importante para um ambiente de inovação", afirma Patel. O brasileiro é visto no mundo como um povo criativo, graças a nossos cartões de visita culturais – o futebol e a mistura musical de ritmos. Nesses campos, não por coincidência, o talento vale muitíssimo mais do que a tática e a estratégia. Fora dessas áreas, falta remover entraves – sobretudo de mentalidade. Só então um grau significativo de criatividade chegará à empresa e à universidade. Isso contribuiria para que o país exibisse um dinamismo econômico proporcional à capacidade de seu povo de ter boas idéias. DICAS PARA SER MAIS CRIATIVO • Nunca se contente com a primeira idéia que lhe ocorrer. Busque outras para, entre muitas, escolher a melhor • Não se acomode. Sempre existe uma maneira de fazer melhor, mais rápido ou com menor custo aquilo que você já faz. Se você não pensar nisso, alguém irá pensar • Seja curioso. Evite reproduzir tarefas mecanicamente. Busque as causas, os porquês, as implicações. Muitas idéias surgem daí • Idéias não saem do nada. Associe, adapte, substitua, modifique, reduza. As combinações são infinitas • Não acredite em bordões como "isso nunca vai funcionar" ou "em time que está ganhando não se mexe". O novo sempre assusta. Toda idéia tem de quebrar resistências • Tenha iniciativa. Muitas boas idéias acabam no fundo da gaveta porque seus autores não tomam a decisão de mostrá-las aos outros • Ouça os outros. Principalmente se eles pensam diferente de você. As idéias se desenvolvem com a divergência • Faça de vez em quando coisas que contrariem seus hábitos, no trabalho ou no lazer. Por exemplo: se você gosta de filmes de ação, assista a um drama romântico. Se é fã de rock, tente o jazz. Sair da rotina é sempre estimulante para o cérebro A advogada Luciana Rosanova Galhardo é sócia do escritório Pinheiro Neto, um dos mais conceituados de São Paulo. Participou da equipe que cuidou da burocracia da instalação de uma montadora Renault no Paraná, em 1997. Após a instalação, a Renault brasileira teria de pagar à matriz francesa pelo serviço prestado – e sobre esse dinheiro seria recolhido imposto de renda. Debruçando-se sobre os tratados comerciais entre Brasil e França, Luciana descobriu um detalhe segundo o qual uma companhia brasileira que paga a uma empresa francesa por prestação de serviços está isenta de imposto. Seria um caso de bitributação, já que a empresa francesa já paga imposto em seu país. Graças à interpretação de Luciana, a Renault economizou uma quantia considerável e os tratados do Brasil com a França foram modificados para não permitir mais a brecha. O brasiliense Adriano Sabino é formado em administração de empresas, com pós-graduação na França. Iatista amador, teve a idéia de usar um material auxiliar na flutuação de veleiros – a espuma de polietileno – para fabricar bóias para crianças. "Percebi que era um material mais higiênico, porque não acumula bactérias, e seguro, pois continua flutuando mesmo quando é furado", diz Sabino. Ele criou o espaguete de piscina e patenteou o produto. Em seguida, abriu uma empresa para comercializá-lo – a Toy Power –, que já vendeu cerca de 2,5 milhões de unidades de sua invenção. Hoje, a empresa desenvolve brinquedos em várias áreas e ensaia parcerias com fábricas da Suécia e da Alemanha. Os paulistas Wilson Maciel Ramos e Márcio Zapparoli trabalham na companhia de aviação Gol, respectivamente como vice-presidente e gerente financeiro. No ano passado, a Gol queria ganhar clientes entre pequenas empresas, mas esbarrava num problema. Não tinha estrutura para avaliar quais eram boas pagadoras, num mercado com alto índice de inadimplência. Encarregados de resolver o problema, Wilson e Márcio tiveram a idéia de fazer uma parceria com um banco, para lançar um cartão de afinidade, e com uma rede de hotéis, para conseguir descontos em diárias. Com isso, criaram um serviço de viagens para oferecer a empresas. O melhor de tudo: o banco se encarregaria de administrar o crédito. O ovo de Colombo fez com que a Gol dobrasse o número de clientes no segmento em 2002. O químico carioca Carlos Khalil trabalha na Petrobras há 23 anos, e é considerado um dos grandes inventores da empresa. De seu laboratório já saíram mais de trinta patentes. Entre elas, destaca-se a do processo químico desenvolvido por ele para desentupir oleodutos em grandes profundidades. Sua tecnologia, patenteada em 1997, vem sendo aplicada em vários países, como Argentina, Espanha e Noruega. "Aumentando periodicamente a vazão dos tubos, há um crescimento da produtividade. Isso significa que a invenção de Khalil é responsável pelo acréscimo de alguns milhares de dólares à receita da Petrobras", diz Elias Menezes Oliveira, que responde pelo departamento de pesquisas da empresa. Eliane Macari, paulista de Campinas, trabalha na área de marketing da multinacional americana 3M, baseada em Sumaré (SP). Ela foi posta diante de um desafio: vender produtos da empresa para cozinhas industriais. Em vez de apenas criar uma campanha de marketing, Eliane resolveu conhecer a fundo seu público-alvo e fez uma descoberta que mudou tudo. Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, onde elas são 100% mecanizadas, as cozinhas industriais brasileiras trabalham com vários funcionários. Sua idéia foi desenvolver uma nova linha de produtos para eles: aventais, toucas, luvas protetoras etc. Graças a sua iniciativa, Eliane criou um novo negócio dentro da 3M. Como recompensa, além de prêmios internacionais, passou a chefiar a área a que ela própria deu origem. O carioca Henrique Malvar, 45 anos, é engenheiro elétrico com pós-graduação no MIT, Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Até 1993, dava aulas na Universidade de Brasília. Foi quando recebeu um convite para trabalhar nos Estados Unidos, na PictureTel, uma empresa fundada por ex-colegas do MIT. Lá, Malvar desenvolveu uma câmera para transmissão de videoconferências que focalizava automaticamente o ponto de onde vinha a voz. O invento rendeu milhões para a companhia e prestígio para o seu autor, que em quatro anos já era vice-presidente da PictureTel. Graças a seu currículo, Malvar foi contratado pela Microsoft. Hoje, ele mora em Seattle e chefia uma equipe que desenvolve novas tecnologias para a empresa de Bill Gates.

terça-feira, novembro 16, 2004

Frases

"A normalidade é tão-somente uma questão de estatística." Aldous Huxley "Se você obedece a todas as regras, acaba perdendo a diversão." Katherine Hepburn "Melhor morrer de vodka do que de tédio." Maiakovski

sexta-feira, novembro 12, 2004

No ritmo da maré*

Em Apeú-Salvador, ilha do litoral nordeste paraense, a pesca artesanal sustenta a economia, as relações sociais e norteia o imaginário de uma população que vive entre a vazante e a preamar O cotidiano dos habitantes da vila de Apeú-Salvador divide-se em antes e depois da maré. Logo cedo, quando os pescadores saem para a lida diária, sabem que farão uma parada para caminhar em alto-mar. A expressão não é uma figura de linguagem. As marés da região, de tão abruptas, na sua vazante deixam a mostra à milhas de distância da costa imensos bancos de areia, as chamadas “croas”, onde os barcos permanecem atracados até que a preamar os leve de volta à ilha, no meio da tarde. De todas as ilhas que estão no estuário dos rios Gurupi e Piriá, Apeú é a que fica mais distante do continente. Antes desse movimento que ocorre a cada seis horas, preparam o almoço ou “avuado” na linguagem local, em fogueirinhas que reforçam as características rústicas do lugar. Os peixes, geralmente caícas, douradas ou sardinhas pirombetas, são assados na hora. A jornada de doze horas começa às três da madrugada e termina às três da tarde. O conhecimento profundo dos horários de cheia, sem necessidade de relógio, do momento adequado de puxar a rede e a habilidade em detectar cardumes sem o auxílio de equipamentos, desmistificam a idéia de que a pesca artesanal é uma atividade fácil, que não exige esforço físico nem intelectual. O corpo e a sabedoria começam a ser delineados na infância. A musculatura bem definida e as mãos grossas e calejadas pelo atrito com a linha revelam a força empregada para puxar os espinhéis e as extensas redes de pesca. Algumas medem mais de mil metros, como as utilizadas por José Carlos Viega da Silva, o Zeca, 31 anos, pescador desde os 10. E as brincadeiras mais simples na preamar ensinam as crianças sobre os períodos ideais para brincar de “surfe”, jogar futebol na praia ou lançar seus barquinhos de brinquedo, de produção própria, na água. Os principais instrumentos de trabalho da pesca artesanal são as redes de fios de algodão ou nylon, as malhadeiras de diversos tipos e tamanhos, tarrafas, espinhéis, linha de mão e os currais. Aos oito anos de idade, os meninos passam pelo seu primeiro rito de passagem. Acompanhar o pai ou os irmãos mais velhos à “pesca de fora”, em alto-mar. É a prova da resistência a longas horas longe da terra firme. Jonathan dos Santos, 10, o Parentinho, passou no teste. Enquanto observa, assume a função de servir de contrapeso no barco. É na infância que os garotos passam a ser conhecidos mais pelos apelidos que pelos nomes, atribuídos pela semelhança a animais, objetos ou situações engraçadas, como Zé Peixinho, Baiacu, Papudinho ou “Pirigoso”. No caso de Jonathan, é por ser o membro mais jovem da embarcação tripulada só por homens da mesma família. Os que forem pegos pela embriaguez marítima, enjôos e mal-estar em excesso, são reprovados. A água que se acumula no fundo da canoa está envolta em magia. Ao ser passada no rosto, deve amenizar ou eliminar o “porre”. Se o efeito for contrário, estaremos diante de um pescador de beira, como Zeca, um agricultor como Manoel Roxo (apelidado com a coloração causada pelas náuseas) ou um barqueiro, carroceiro, pedreiro, entre outras profissões que não exijam a navegação diária. Vindo do Maranhão, Zeca tentou trabalhar nas frotas motorizadas em viagens com destino ao Amapá, mas não se adaptou à violência do mar do norte e a exploração dos “patrões”. Alex, de 11 anos, não chegou a ser avaliado. Revelou precoces habilidades no corte de madeira e na colheita do murici (Malpiguiáceas) e do caju (Anacardium ocidentale), onde auxilia a família chefiada pelo pai, Manoel Roxo, exemplo vivo da força da pesca no imaginário local. O sonho do ex-pescador preterido no exame é ter um barco. Nas horas vagas, Alex anda a cavalo, mostra-se um bom nadador, torcedor fiel do futebol jogado pelos garotos da vila e não escapa das influências da televisão: é fã do ator Jean Claude Van Damme. O aparelho já demarca território no vilarejo, penetra no cotidiano local e aos poucos estabelece padrões de comportamento. O limite de horário para brincar é o final do capítulo diário da novela das oito. O sinal é dado pelo grande fluxo de pessoas que começam a retornar da casa dos vizinhos, já que pela falta de condições econômicas os aparelhos de tevê são privilégio de poucos. A ausência de eletricidade também não é problema. Os eletrodomésticos existentes funcionam com energia produzida por motor gerador. A pequena Marcele, de 6 anos, irmã de Alex, também já auxilia na colheita. A tentação de classificar a participação das crianças em “serviços de adulto”, de trabalho infantil sem entender como as sociedades primitivas se estruturam, pode ser uma conclusão superficial. A produção econômica das famílias de Apeú-Salvador é composta por várias partes em que cada membro, independente da idade, exerce um papel fundamental para a manutenção da estrutura familiar. Em comunidades de origem ribeirinha e forte influência indígena quase não há diferença entre a forma de aprendizagem, o conhecer e o fazer. As tarefas possuem um caráter de treinamento para as atividades que serão exercidas no futuro. Os meninos iniciam-se nas mais várias modalidades de pesca e na agricultura. E as meninas ajudam as mães na limpeza da casa e do pescado, e na confecção das redes. Brincar de “casinha”, entretenimento feminino, também é o preparo para um cotidiano onde a ausência da figura masculina é constante, entendida na brincadeira como o tempo em que o pai ou marido passam no mar. No fim do dia, a brincadeira mais comum entre os meninos é a pira, espécie de pega-pega com dois times. De volta ao litoral Membros de um ecossistema que começa a entrar em desequilíbrio pela ação da pesca predatória, os habitantes de Apeú e de outras vilas de realidades semelhantes como Tamaruteua, Marapanim, Vigia e Maracanã, mantêm-se firmes em seu trabalho nos períodos abastados ou de escassez. Mesmo sujeito às dificuldades impostas pela sazonalidade, os planos de Zeca são fixar as bases. Pretende comprar o rancho arrendado do agricultor Manoel Roxo, no Muro Branco, no qual mora com a mulher Nadir. Ranchos são residências ou locais de trabalho construídos a uma certa distância do solo para não serem invadidos pelas águas da preamar. O período de safra corresponde ao inverno amazônico, de janeiro a junho, marcado pelas chuvas abundantes que levam os cardumes para as proximidades da costa, o que facilita a captura na beira. Os ranchos começaram a ser construídos na década de trinta, início da migração do interior para o litoral. A partir dos anos cinqüenta, com o esgotamento e a proibição de algumas modalidades de pesca nos rios, os trabalhadores deixaram de passar apenas temporadas na costa. Levaram as famílias e ficaram de vez. As tribos de índios tupinambás, que por um processo de caldeamento e miscigenação, foram expulsas da região litorânea, batizada no Pará de Zona do Salgado, voltam, dessa vez como mestiços, ao seu lugar de origem. A influência ribeirinha e indígena na formação das comunidades que vivem da pesca no litoral paraense as diferencia dos jangadeiros do Nordeste, dos caiçaras do sul e do sudeste e de outras populações da costa brasileira com tradição marítima mais prolongada. Práticas antigas são mantidas por Zeca e João Soares, outro pescador de beira que vive com a família em um rancho de três andares. Depois de pescar, eles limpam, salgam e conservam o peixe para consumo próprio e para comercialização aos revendedores peruanos que passam pela região. Três horas de caminhada separam o Peru da ilha paraense, quase divisa com o Maranhão. O sustento dos pescadores artesanais é ameaçado pelas embarcações que utilizam redes de arrasto para captura de camarão cada vez mais próximas da costa. O espaço dos pequenos produtores é invadido por essa ferramenta altamente predatória e prejudicial à biodiversidade. Peixes capturados são devolvidos ao mar em sua maioria mortos. Segundo dados de órgãos do setor, para cada quilo de camarão aproveitado, são desperdiçados sete quilos de pescado. Entre eles, muitas vezes, espécies valiosas como o camurim (Centropomus undecimalis) e a pescada amarela (Cynoscion acoupa). A carne deste peixe, repassada na primeira etapa da venda a 2,5 reais, chega a 6 reais no Ver-o-Peso, o grande mercado de Belém. E a “grude”, a bexiga natatória (órgão interno do animal), produto de exportação usado na composição de medicamentos, cosméticos, filmes fotográficos, instrumentos musicais e colas, vale 110 reais o quilo. Os produtos da pesca em Apéu Salvador são comercializados por pelo menos quatro categorias de intermediários: o geleiro (conserva o peixe), o comprador de grude, o de camarão, e o marreteiro ou patrão - fornecedor de instrumentos de trabalho ao pescador em troca de parte da produção. Essa organização é chamada de sistema de aviamento, modalidade de crédito antiga que regula quase todas as relações produtivas do setor primário da economia amazônica. Aqui, as dívidas têm um significado diferente das geradas em transações com bancos. A estrutura do sistema baseia-se na reciprocidade e na obrigação de retribuir não só bens materiais, mas valores como respeito e confiança, o que dispensa a necessidade de contratos formais, mas aprisiona o aviado a uma dívida eterna. “A gente trabalha com compromisso, damos a nossa palavra e trabalhamos direto para conseguir a ajuda do patrão”, diz o pescador Carlos Xavier, 25. A luta contra os obstáculos se dá sob a forma de superstição, o que tornou a religião a principal aliada deste trabalho que não exige só experiência. É preciso também contar com a sorte e com a ajuda de Deus, acreditam os pescadores e, principalmente, suas mulheres. A crença está representada nos cultos da igreja evangélica, nas imagens de santos católicos, objetos de decoração e devoção nas residências ou na tradição das santas missões eucarísticas, evento que tem seu ponto forte a cada três décadas com a visita de padres missionários. Lourdes Furtado, pesquisadora titular do Museu Paraense Emilio Goeldi e professora da Universidade Federal do Pará, antropóloga que há mais de trinta anos dedica-se ao estudo das relações “homem-mar”, explica que assim como existe a tendência em desenvolver o turismo nas vilas que vivem da pesca, é grande a propensão dessas comunidades em se fortalecer nas tradições locais. No caso de Apeú-Salvador, a segunda premissa é ainda mais forte. A falta de estrutura turística e estradas pavimentadas atrai, em escala minúscula, somente os afeitos ao turismo de aventura ou pesquisadores. Para Furtado, a modernização nem sempre responde aos anseios da população ou representa a solução para os problemas locais. E a transferência de tecnologias mais modernas para substituir as tradicionais pode ser prejudicial à população, quando feita sem pesquisa e planejamento. “Claro que a expectativa de melhoria de vida é fato, mas para alcança-la é preciso unir esforços entre ciência, tecnologia e gestão a serviço do desenvolvimento regional.” O acesso a esse paraíso inexplorado chamado Apeú Salvador só é possível depois de uma viagem de barco de cerca de quatro horas a partir de Viseu, município às margens do rio Gurupi, a 320 quilômetros de Belém. Mas o esforço parece valer a pena. No percurso, o viajante é acompanhado por uma revoada de guarás e pela exuberante paisagem dos manguezais. Modalidades de pesca em Apeú-Salvador Malhadeira - rede que prende os peixes pelas guelras nas malhas. Os tamanhos e tipos variam de acordo com a espécie a ser capturada. Entre os tipos de malhadeira, a mais utilizada em Apeú é a tainheira, confeccionada com fios de plástico para capturar peixes médios como tainha (Mugil brasiliensis), bandeirado (Felichthys marinus), gó grande (Cynoscion virescens) e peixe pedra (Ceniatremus luteus). Tarrafas - rede em forma de cone que é lançada da proa da embarcação e fica presa à mão do pescador. Ela se fecha quando é içada, trazendo os peixes presos nas malhas. Espinhel - linha extensa com anzóis presos a uma linha secundária, presa às duas extremidades da embarcação por pequenas âncoras e que flutuam presa a bóias. Dependendo do tamanho dos anzóis, chegam a capturar espécies de valor comercial como o mero (Promicrops itaiara) e a dourada (Brachyplatystoma flavicans). Curral - armadilha fixa, em forma de cerca de varas de madeira, armada em beiras de praia ou bancos de areia no meio do mar e de frente para a maré vazante, com cerca de vinte a trinta metros de extensão. Possui uma abertura por onde os peixes entram e ficam presos até a hora da despesca. Na beira - pescarias feitas nas margens com munzuás (instrumento de forma oval aberto nas extremidades), tarrafas (redes circulares) e linha de mão. * Esse texto foi escrito em parceria com o fotógrafo Maurício de Paiva (artista dotado de grande sensibilidade), depois da sua viagem a Apeú Salvador. Tamanho foi o seu encantamento por essa ilha abençoada por Deus, que ele voltou com fotos maravilhosas e cheio de idéias na cabeça. A principal delas, era publicar uma matéria na National Geographic. Me propus a ajudá-lo na organização das informações e na idealização de algumas sugestões de pauta. O trabalho rendeu tanto, que acabei escrevendo essa materinha, com base nas histórias que ele me contou, na tese de mestrado da antropóloga Isabel e num bate-papo com a também antropóloga Lourdes Furtado. O texto transformou-se numa grande pauta pro Maurício e numa grande satisfação e aprendizado pra mim. A National mandou o rapaz e um repórter pra Apeú recentemente, e o resultado está na edição deste mês da revista. Viva!

quinta-feira, novembro 11, 2004

Uma homenagem a Ricardo Kotscho

Soube ontem pelo Comunique-se, que este jornalista admirável comemora 40 anos de profissão. Depois da longa jornada, Kotscho anuncia que vai deixar a Secretaria de Imprensa da Presidência da República e diz que seu maior objetivo é ter uma qualidade de vida melhor. Não pude deixar de lembrar da gentil entrevista que ele concedeu a um grupo de estudantes da Uniban em 2002, ano de campanha presidencial. Imaginem-se estudantes de jornalismo. Este é ano de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) e de campanha eleitoral para presidente. Seu projeto é uma revista interessada em gente comum, anônima, que não tem espaço na grande imprensa, mas com conteúdo, história pra contar e uma atitude nobre diante da vida. Não ocupam necessariamente posição de destaque na sociedade, nem realizam trabalhos voluntários. Simplesmente fizeram do cotidiano uma luta pelo bem-estar social. Pensando sobre a linha que o TCC deve seguir, você se lembra de um livro-reportagem, lido na faculdade mesmo, no primeiro ano talvez. O autor era Ricardo Kotscho. Você não lembra bem o título, mas não esqueceu a preocupação desse jornalista desde os seus tempos de foca. Em vez de apurar números, estatísticas e escrever com base nesses dados, ele os materializava em personagens reais. Se não tinha nada pra fazer na redação, pegava um fotógrafo que estivesse dando sopa, e iam pra rua, atrás de informações. Certa vez, Kotscho foi cobrir a visita do então presidente da República Castelo Branco ao Horto Florestal. Optou por deixar seus amigos mais experientes à espera do pronunciamento oficial (que não veio) e foi conversar com os freqüentadores do parque. Não só ouviu relatos maravilhosos, como conseguiu publicá-los ao lado da cobertura da "solenidade". Eureca! O grande achado! A revista vai tratar de pessoas desconhecidas, mas alguém que justifique todo o projeto, por ser um modelo a ser seguido, não pode ficar de fora de jeito nenhum. É até candidato a capa. Decisão tomada, é hora de tentar falar com ele. Vale repetir aqui que esse é ano de eleição presidencial e Ricardo Kostcho nada mais é do que assessor de imprensa de um dos mais fortes candidatos, até então. Isso mesmo, Luiz Inácio Lula da Silva. Falar com o cara, pensamos, será quase impossível. Mas como a esperança vai muito bem de saúde, obrigada, e não vai morrer tão cedo, mãos a obra: munidos do telefone do comitê do partido, do nome e do email do assessor do assessor (não escrevi duas vezes por engano) do futuro presidente, uma descrição sucinta, mas detalhada do projeto foi preparada e send, lá se foi o email. Pronto. Missão cumprida por enquanto. Papo vai, papo vem, três meses se passaram e a turma já estava pra lá de desencanada. Até que um belo dia, toca o telefone e eu estremeço do outro lado. "Oi Luciana, aqui é Ricardo Kotscho. Recebi seu email, achei muito bacana o projeto e faço questão de receber vocês. O problema é que como estou no corre-corre da campanha, só posso te atender amanhã. Você pode estar às 17h no comitê do partido?" Mas que pergunta, meu caro. Se você dissesse vem agora, de helicóptero, eu daria um jeito. Claro que não disse isso a ele, mas pensei. Tudo certo. No dia seguinte, lá fomos nós: Roberta Sales, Paulinho Florêncio, Raffaele Sgueglia (fotógrafo da Fiesp, grande figura, que nunca trabalhou tanto de graça na vida dele pra um grupo de estudantes) e eu, felizes e contentes. Simpatia em pessoa, Ricardo Kotscho nos avisou que estava indo pro escritório nos Jardins. "Vocês podem ir pra lá?" Ah, que ótimo. Fizemos um tour pelo centro, com direito a ônibus lotado na Nove de Julho, ponto errado na hora de descer e uns quatro quilômetros de caminhada pra largar de ser besta. É engraçado lembrar de todos esses detalhes dois anos depois, da meia-hora de conversa que Kotscho nos abriu na sua agenda atribulada e, principalmente, do resultado. Kotscho não foi capa, mas mereceu uma bela chamada, a matéria ficou linda, a revista, que se chama Singular, bárbara (graças às valiosíssimas contribuições dos designers Luiz Carlos de Moraes - graaaaande amigo - e Luciano Arnold) e a nota do TCC, máxima. Agora, fico sabendo que Kotscho quer "uma qualidade de vida melhor". Essa afirmação me preocupa. Será preciso quarenta anos de trabalho diário e incansável pra tomar essa decisão? Em tempo: Gleyson Santos, Bruna Mantovani e Lígia Nunes, eram os outros integrantes do grupo de TCC. No dia da entrevista com Kotscho, estavam em outra missão. "Quero uma qualidade de vida melhor" Miriam Abreu, do Comunique-se "Trabalhei um ano durante a campanha presidencial e mais dois anos no governo. São três anos fora de casa. Daqui a pouco minha mulher vai me mandar embora e meu cachorro não vai me deixar entrar em casa". Ricardo Kotscho, secretário de Imprensa da Presidência, deixa o cargo no final de novembro. Em outubro, ele completou 40 anos de ofício e agora só pensa em descansar, voltar para a família, em São Paulo, e escrever um livro sobre as histórias ao longo desse tempo de jornalismo - o título deverá ser "Do golpe ao Planalto". "Quero uma qualidade de vida melhor". Ele também planeja voltar a fazer palestras remuneradas. A permanência no governo por dois anos já tinha sido negociada com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Seu substituto, Fábio Kerche, atual secretário-adjunto de Imprensa, está preparado para assumir seu lugar, segundo o próprio Kotscho. "É uma pessoa em quem eu e o presidente confiamos". Voltar a trabalhar em redações não faz mais parte dos planos do jornalista, embora ele prefira não dizer "nunca". "Da última vez que trabalhei na Folha (de S. Paulo) escrevi minha vigésima matéria sobre seca. Não há nada que lamento não ter feito nem nenhuma matéria que eu acho que não tenha escrito". Nesta quarta-feira (10/11), Kotscho reúne amigos do governo e da profissão para um jantar, em Brasília, para comemorar os 40 anos de Jornalismo. Um balanço dos dois anos no governoApesar de a secretaria de Imprensa e Divulgação mudar de comando a partir do próximo mês, a estrutura será mantida. Aliás, Kotscho se diz satisfeito com seu trabalho à frente da secretaria. A única novidade que ele não vai acompanhar de perto, embora já tenha deixado tudo engatilhado, é a reforma do comitê de imprensa do Palácio do Planalto. "A reforma é necessária porque as condições de trabalho no local não são boas. No dia 27/12, ela estará pronta". Ele está ciente das reclamações de colegas quanto a entrevistas concedidas por Lula. "Todo mundo reclama, mas nunca um presidente deu tantas entrevistas quanto o Lula em dois anos. Como assessor, penso que quanto mais contato, melhor. Acho que fizemos o máximo nesse período". Para Kotscho, a experiência de trabalhar no governo federal foi "fascinante". Outros dois pontos que marcaram a comunicação nesses dois anos de governo Lula não poderiam passar em branco. Um deles é o projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo, defendido por Kotscho em muitos artigos, nos quais ele estimula o debate sobre o assunto. "Sempre defendi o projeto. Fui diretor do sindicato, vice da Fenaj e membro da ABI. O pedido foi feito pela Fenaj ao Executivo e agora a decisão é do Congresso". O caso Larry Rother também provocou polêmica. Kotscho lutou contra a decisão inicial do governo de cancelar o visto temporário do correspondente do New York Times. "No caso, fui minoria, mas lutei para a suspensão da decisão". Ele afirma que os boatos de que pediu demissão na época são inverídicos.

terça-feira, novembro 09, 2004

Acredita? Então tenta!

Do it Lenine/Ivan Santos Tá cansada? Senta. Se acredita? Tenta. Se tá frio? Esquenta. Se tá fora? Entra. Se pediu? Agüenta. Se sujou? Cai fora. Se dá pé? Namora. Tá doendo? Chora. Tá caindo? Escora. Não tá bom? Melhora. Se aperta? Grite. Se tá chato? Agite. S e não tem? Credite. Se foi falta? Apite. Se não é? Imite. Se é do mato? Amanse. Trabalhou? Descanse. Se tem festa? Dance. Se tá longe? Alcance. Use tua chance. Se tá puto? Quebre. Tá feliz? Requebre. Se venceu? Celebre. Se tá velho? Alquebre. E corra atrás da lebre. Se perdeu? Procure. Se é seu? Segure. Se tá mal? Se cure. Se é verdade? Jure. Quer saber? Apure. Se sobrou? Congele. Se não vai? Cancele. Se é inocente? Apele. Escravo? Se rebele. Nunca se atropele. Se escreveu? Remeta. Engrossou? Se meta. Quer dever? Prometa. Pra moldar? Derreta. E não se submeta.

domingo, novembro 07, 2004

Como num passe de mágica

Se eu soubesse que levaria menos de cinco minutos, quase o mesmo tempo de um passe de mágica, esse blog teria nascido antes. Agora, cá estou e uno forças com vocês blogueiros, nessa militância em prol da liberdade de expressão e anti-silêncio que só esse veículo maravilhoso chamado internet ainda nos permite, embora Érico Veríssimo e eu acreditemos que além dele (o silêncio), nada mais nos reste. O nascimento desse espaço coincide com uma descoberta e um desejo. Acabo de descobrir (ou talvez aceitar), depois de anos de desconfiança, que escrever, pra mim, é uma angústia. Sempre foi assim. Não porque eu não goste, muito pelo contrário. Já nos meus tempos de menina, começar e finalizar um texto era um martírio. E em minha vida de repórter, foram raros os leads que saíram na primeira tentativa. A recompensa sempre vinha depois de boas doses de sofrimento e papéis amassados (para Garcia Marques, escrever é antes de tudo, jogar papel no lixo, que o segredo dos textos brilhantes é reescrever, reescrever e reescrever, e assim ele ensinou seus alunos dos cursos de roteiro na Colômbia, um deles transcrito no livro 'Como contar um conto'). Desta vez, a angústia não é a dificuldade de começar uma história, mas o resultado de um conflito interno entre o desejo de escrever sem obrigação, sem vínculos financeiros, e a falta de iniciativa e disposição pra colocar o plano em prática. Uma jornalista que se preze, não deveria confessar isto aqui, em público. Afinal, escrever deve ser um ato inerente, inato a um profissional da linguagem. Faço aqui essa confissão com a esperança de que ela liberte minha alma. Admito uma certa preguiça em começar um novo projeto. Idéias, não faltam. O problema é partir pra ação. O que geralmente fica pronto são só os trabalhos mais urgentes, com o deadline explodindo e o editor esperando a chegada do email com o arquivo anexado. Não adianta. Só funciono sob pressão (e sob paixão). O blog é um desejo antigo. Blogs de amigos surgiram depois da minha sugestão de montarmos um, juntos. Alguns saíram de fininho e voltaram com um e-mail que anunciava a novidade. E o meu, nada. Prometia toda semana que da próxima, minha invenção não falharia e nessa sucessão de expectativas frustradas comigo mesma, passaram-se meses, quase anos. Esse texto de estréia é na verdade um desabafo. A angústia que me fez partir, e desta vez definitivamente, pra prática foi conseqüência de uma dúvida que me corroeu desde quinta-feira, dia 4, até hoje, e que, verdade seja dita, me deu um baita medo. O que fazer: ficar na estabilidade profissional e financeira de um emprego que no fundo não te completa ou sacudir a poeira e dar a volta por cima, nem que isso implique trabalhar mais, ganhar menos, mas fazer a coisa para a qual você nasceu pra fazer (ou que pelo menos você quer acreditar que essa seja a verdade)? Não foi a decisão mais difícil da minha vida, mas que chegou perto, isso chegou. É a primeira vez em toda a minha vida que tenho muito medo de me arrepender. Como uma espécie de consolo, pra caso eu escolhesse a primeira opção (e foi o que aconteceu – não me recriminem, por favor), o blog finalmente sai do campo das idéias e se desvencilha das teias tenebrosas da preguiça. E aqui estou eu, em pleno sábado à noite (precisamente às 23h15 – deixei o texto descansando tanto, que agora já é domingo, 22h24), esclarecendo algumas idéias pra mim mesma. É, por que escrever pra vocês gente, é uma coisa maravilhosa (ei, tem alguém do outro lado lendo isso aqui?), mas o grande barato é que enquanto faço isso, descubro algo mais sobre mim. E é essa sensação que quero ter sempre, porque ela me dá liberdade. Mas para tê-la novamente, tenho de fazer por merecer e cumprir com o prometido: escrever de graça, sempre que algo me incomodar, escrever pra mim mesma, por que esse ato me liberta e não só a trabalho. E acreditem se quiser, isso exige muita disciplina. Por isso, Renato Russo e eu adotamos ‘disciplina é liberdade’ como um de nossos lemas e esse blog foi a maneira que encontrei de provar para ‘a minha pessoa’ que essa crença é possível.