sexta-feira, novembro 17, 2006

Ensinamentos de um ônibus errado

Um dos melhores exercícios de auto-conhecimento é viver situações simples, mas que só saberemos como reagir no momento em que passarmos por elas. É provável que certezas aparentemente inabaláveis caiam por terra, como aquela afirmação de que “sou capaz de rir de mim mesmo”. Um bom teste é pegar um ônibus errado e descobrir o equívoco no meio do caminho, em uma rua escura que nunca viu na vida.

Eu fui reprovada. Assim que me dei conta que passeava por um lugar desconhecido e que o coletivo não me levava para o metrô, me senti uma retardada perdida e não queria admitir minha condição naquele instante. “De graça até ônibus errado” uma pinóia. E não admiti. Não perguntei para o cobrador nem para a passageira sentada ao meu lado onde eu estava e já me sentia disposta a ir até o ponto final para voltar. Fiquei de olho no caminho até que comecei a perceber que ônibus com itinerários conhecidos vinham em sentido contrário. Desci e em menos de cinco minutos estava dentro de uma lotação “Barra Funda”. Já se passaram mais de doze horas e ainda não ri de mim mesma, mas as reflexões foram produtivas.

Não fui parar tão longe assim. Minha perambulação errante só conseguiu me levar até a Casa Verde. Mas é impressionante como o desconhecido assusta! Como é difícil assumir os próprios erros, falhas e distrações.

Há poucos minutos de chegar em casa, descendo bem devagar uma rua antes da minha, a música “Quase sem querer”, do Legião Urbana, me veio a cabeça. Diminuí ainda mais a velocidade dos passos para conseguir cantá-la inteira antes de abrir a porta. Engraçado ou coincidência, vários trechos descreviam algumas sensações e conclusões a que cheguei ontem. Que venham novas experiências para que as estruturas de outras das minhas convicções se estremeçam.

Quase sem querer

Tenho andado distraído,
Impaciente e indeciso
E ainda estou confuso.
Só que agora é diferente
Estou tão tranqüilo
E tão contente.

Quantas chances desperdicei
Quando o que eu mais queria
Era provar pra todo o mundo
Que eu não precisava
Provar nada pra ninguém.

Me fiz em mil pedaços
Pra você juntar
E queria sempre achar
Explicação pro que eu sentia.
Como um anjo caído
Fiz questão de esquecer
Que mentir pra si mesmo
É sempre a pior mentira.

Mas não sou mais
Tão criança
A ponto de saber tudo

Já não me preocupo
Se eu não sei por quê
As vezes o que eu vejo
Quase ninguém vê

E eu sei que você sabe
Quase sem querer
Que eu vejo o mesmo que você.

Tão correto e tão bonito:
O infinito é realmente
Um dos deuses mais lindos.
Sei que às vezes uso
Palavras repetidas
Mas quais são as palavras
Que nunca são ditas?

Me disseram que você estava chorando
E foi então que percebi
Como te quero tanto.