sexta-feira, abril 27, 2007

Ué, mas não era a igreja a defensora dos fracos e oprimidos?

Folha de S.Paulo, 16 de abril de 2007.
Mendigos terão de deixar Sé durante visita do papa
Segundo PF, acesso à praça antes de evento na catedral será vetado por segurança

segunda-feira, abril 23, 2007

Apenas uma criança

Ele não tinha mais de dez anos e seu olhar já era cheio de ódio. Fixos na “vítima”, nem piscava. Só mudou os olhos de direção quando o motorista disse: tem polícia lá atrás. Mas foi rápido. Ele encostou no carro, aproveitando-se dos vidros abertos, e sem levantar as mãos e mostrar um objeto sequer, foi logo dizendo: “eu tô com o bagulho engatilhado aqui. Não tenta dar um de esperto. Passa tudo.” Hesitamos. Meu corpo ficou imóvel, meu cérebro parou de funcionar, só o coração disparou. Intolerante à idéia de ser roubado por um menino daquele tamanho, o motorista reagiu. Disse que não entregaria nada, engatou a primeira e tentou sair, mas o farol estava fechado e havia um carro na sua frente. Olhou o retrovisor, ninguém atrás. Engatou a ré e foi. Eu só imaginava o menino levantando o braço fino e fraco com o bagulho engatilhado na mão, pronto para cometer uma atrocidade (talvez não maior do que a sua própria, da miséria, do mundo injusto que entrega às ruas esses seres que deveriam estar estudando, brincando e, naquela hora, dormindo).

Por sorte, ele blefava. Na mão direita, somente uma inofensiva garrafinha de água mineral vazia, talvez usada para outra barbaridade: cheirar cola ou qualquer outra coisa que o valha. Aliás, vi no meio de uma noite de sábado, há cerca de um ano, um frentista do posto de gasolina localizado na esquina da Teodoro Sampaio com a Henrique Chaumann (é assim que escreve?) encher com álcool (sim, o mesmo que vc coloca no tanque do seu carro), uma garrafa para duas crianças também de no máximo dez anos. Agora me diga, pra quê?

Pétalas

Dizem que sou uma creança
Por ter apenas dez annos;
Que a vida me corre mansa
Cheia de doces enganos

Que sou ainda um menino
E, portanto, inda innocente,
Mas que sou muito ladino
E um gury intelligante.

Neste ponto têm razão
E por isso em poucos dias
Já cavei com alegrão
Centenas de sympathias

Podeis ver, sábios leitores,
Que não sou nenhum pateta! ...
Pois não vivo de louvores,
Faço versos, sou poeta! ...

Este poema não é meu e por hora desconheço sua autoria.

domingo, abril 22, 2007

Crônica de amor*

"Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco, você levou para conhecer a sua mãe e ela foi de blusa transparente. Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina o Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então?

Então que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.

Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai ligar e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário, ele escuta Egberto Gismonti e Sivuca. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado, e ainda assim você não consegue despachá-lo. Quando a mão dele toca sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita de boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara? Não pergunte pra mim. Você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes de Woody Allen, dos irmãos Cohen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor. É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettuccine ao pesto é imbativel. Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desses, criatura, por que diabo está sem um amor?

Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados. Não funciona assim. Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não-fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo à porta. O amor não é chegado a fazer contas, não obedece a razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar. Costuma ser despertado mais pelas flechas do cupido do que por uma ficha limpa. Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referências.

Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera. Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o amor tem de indefinível. Honestos existem aos milhares, generosos tem às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó. Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é..."

*Me identifiquei com esse texto, de autoria atribuída ao psicanalista Roberto Freire, na primeira vez que o li há vários anos. Ele continua atual na minha vida. Às vezes, recorro a palavras que não são minhas para entender sentimentos que não se explicam, apenas se vivem.