domingo, novembro 07, 2004

Como num passe de mágica

Se eu soubesse que levaria menos de cinco minutos, quase o mesmo tempo de um passe de mágica, esse blog teria nascido antes. Agora, cá estou e uno forças com vocês blogueiros, nessa militância em prol da liberdade de expressão e anti-silêncio que só esse veículo maravilhoso chamado internet ainda nos permite, embora Érico Veríssimo e eu acreditemos que além dele (o silêncio), nada mais nos reste. O nascimento desse espaço coincide com uma descoberta e um desejo. Acabo de descobrir (ou talvez aceitar), depois de anos de desconfiança, que escrever, pra mim, é uma angústia. Sempre foi assim. Não porque eu não goste, muito pelo contrário. Já nos meus tempos de menina, começar e finalizar um texto era um martírio. E em minha vida de repórter, foram raros os leads que saíram na primeira tentativa. A recompensa sempre vinha depois de boas doses de sofrimento e papéis amassados (para Garcia Marques, escrever é antes de tudo, jogar papel no lixo, que o segredo dos textos brilhantes é reescrever, reescrever e reescrever, e assim ele ensinou seus alunos dos cursos de roteiro na Colômbia, um deles transcrito no livro 'Como contar um conto'). Desta vez, a angústia não é a dificuldade de começar uma história, mas o resultado de um conflito interno entre o desejo de escrever sem obrigação, sem vínculos financeiros, e a falta de iniciativa e disposição pra colocar o plano em prática. Uma jornalista que se preze, não deveria confessar isto aqui, em público. Afinal, escrever deve ser um ato inerente, inato a um profissional da linguagem. Faço aqui essa confissão com a esperança de que ela liberte minha alma. Admito uma certa preguiça em começar um novo projeto. Idéias, não faltam. O problema é partir pra ação. O que geralmente fica pronto são só os trabalhos mais urgentes, com o deadline explodindo e o editor esperando a chegada do email com o arquivo anexado. Não adianta. Só funciono sob pressão (e sob paixão). O blog é um desejo antigo. Blogs de amigos surgiram depois da minha sugestão de montarmos um, juntos. Alguns saíram de fininho e voltaram com um e-mail que anunciava a novidade. E o meu, nada. Prometia toda semana que da próxima, minha invenção não falharia e nessa sucessão de expectativas frustradas comigo mesma, passaram-se meses, quase anos. Esse texto de estréia é na verdade um desabafo. A angústia que me fez partir, e desta vez definitivamente, pra prática foi conseqüência de uma dúvida que me corroeu desde quinta-feira, dia 4, até hoje, e que, verdade seja dita, me deu um baita medo. O que fazer: ficar na estabilidade profissional e financeira de um emprego que no fundo não te completa ou sacudir a poeira e dar a volta por cima, nem que isso implique trabalhar mais, ganhar menos, mas fazer a coisa para a qual você nasceu pra fazer (ou que pelo menos você quer acreditar que essa seja a verdade)? Não foi a decisão mais difícil da minha vida, mas que chegou perto, isso chegou. É a primeira vez em toda a minha vida que tenho muito medo de me arrepender. Como uma espécie de consolo, pra caso eu escolhesse a primeira opção (e foi o que aconteceu – não me recriminem, por favor), o blog finalmente sai do campo das idéias e se desvencilha das teias tenebrosas da preguiça. E aqui estou eu, em pleno sábado à noite (precisamente às 23h15 – deixei o texto descansando tanto, que agora já é domingo, 22h24), esclarecendo algumas idéias pra mim mesma. É, por que escrever pra vocês gente, é uma coisa maravilhosa (ei, tem alguém do outro lado lendo isso aqui?), mas o grande barato é que enquanto faço isso, descubro algo mais sobre mim. E é essa sensação que quero ter sempre, porque ela me dá liberdade. Mas para tê-la novamente, tenho de fazer por merecer e cumprir com o prometido: escrever de graça, sempre que algo me incomodar, escrever pra mim mesma, por que esse ato me liberta e não só a trabalho. E acreditem se quiser, isso exige muita disciplina. Por isso, Renato Russo e eu adotamos ‘disciplina é liberdade’ como um de nossos lemas e esse blog foi a maneira que encontrei de provar para ‘a minha pessoa’ que essa crença é possível.