terça-feira, outubro 16, 2007

Loucos e santos*

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim. Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

*Uma homenagem fora de hora aos meus amigos, aos de perto e aos de longe, aos que foram, aos que ficaram, aos que ainda virão. Amizande é mesmo uma coisa pra se guardar, do lado esquerdo do peito, já dizia a canção.

sábado, outubro 06, 2007

Nunca é tarde para mudar

Seu Edson* é um homem daqueles tradicionais. Nasceu no sertão da Bahia no final da década de vinte e acredita(va) que a mulher tem seu papel dentro de casa (a de cuidar) e o homem o seu (o de sustentar). Passou toda a sua vida sem lavar um copo, enxugar um prato ou varrer uma sala. Cada um tem a sua função e a sua, pensava ele, não era essa, mas de Maricota, sua doce e encantadora esposa. E assim foi.

Até que um dia pode conhecer um outro casal. Ela paranaense, ele americano, piloto de avião de uma grande companhia internacional. Enquanto o marido trabalha, a mulher cuida das tarefas domésticas e dos filhos. E quando ele volta, é ela quem sai para trabalhar e as responsabilidades são trocadas. Nesta rotina, sempre que ele assumia os filhos e o lar, notava que as janelas dos vizinhos estavam sempre sujas. E assim, não só se ofereceu para limpa-las como começou a cobrar por isso.

Quando ouviu essa história, alguma coisa aconteceu no coração e nas conexões neurológicas do Seu Edson. E Maricota quase caiu para trás quando encontrou o marido limpando uma janela num dia e enxugando uma louça no outro. E se engana quem pensa que sua intenção é colocar uma plaquinha na portaria do prédio em que mora dizendo: “Limpa-se vidros e janelas”.

A conclusão a que Seu Edson chegou ao refletir sobre a experiência do novo amigo é porque ele não podia diluir sua antiga convicção (machista) na água da chuva e deixar a enxurrada levar embora, se alguém que ocupa um cargo importante, tem uma vida confortável e não precisava dividir as tarefas com a mulher e pagar alguém para isso, era tão mais flexível em sua maneira de agir diante da vida?

E assim fez. A história é muito simples, mas a lição, uma das mais bonitas que já ouvi. É possível abandonar as idéias absolutas, ampliar a consciência, mudar sua perspectiva, ser mais flexível e descobrir que a vida está em movimento, aos 8 ou 81 anos de idade. Ao contrário do que pensam os pessimistas, sempre há tempo!!

E como disse Marcel Proust, “uma verdadeira viagem de descobrimento não é encontrar novas terras, mas ter um novo olhar”.

*Seu Edson é meu tio. Aos 81 anos de idade, é uma das pessoas mais lúcidas que conheço, o único que conseguiu me ajudar a reconstituir boa parte da minha árvore genealógica paterna. É forte como um touro e ainda dirige de Curitiba a São Paulo (com glaucoma e tudo).