sexta-feira, setembro 16, 2005

Palavras soltas, sem razão...

O amor dela não é incondicional. Esse é o tipo de sentimento que só se sente por um filho e ainda não chegou a hora de ser mãe. Quando chegar, seu amor, ainda assim, será condicional. Pelo menos o que ela tem por você. Ele não é uma via de mão única. Nasceu pra ser grande, intenso, doador, mas não a troco de nada. Cresceu pra viver junto, pra compartilhar desejos, confidências, segredos, músicas, poemas e silêncios. C O M P A R T I L H A R, não fingir que se tem uma relação. Aliás, “que relação?”. A generosa da história cansou de esperar, cansou de ser uma mera companhia no cinema, no bar, nos dias frios ou nos momentos de maior solidão. Cansou de ser a coadjuvante, aquela que a tudo suporta em troca de migalhas de sentimentos. Cansou de tentar compreender sua insegurança e seu passado mal resolvido. Ela quer mais. Ela merece mais. Quer ser lembrada em qualquer ocasião. Especialmente naquelas em que se está num lugar bacana, com companhias agradáveis, mas que ainda assim o coração aperta porque sem aquela pessoa a emoção fica desfalcada e o desejo de dividir aquele minuto não se realiza. Ela quer ser feliz ao seu lado, mas não precisa de você desesperadamente. Apenas se sente bem quando ouve as suas histórias, as suas piadas, quando se alegra e se irrita com o seu jeito ao mesmo tempo bem-humorado e carrancudo de ser, quando se encanta com a sua maneira de sorrir com os olhos. Ela já fez de tudo pra te esquecer. Mas não dá. Ela não consegue. Nem as listas e listas que ela coleciona com todos os seus defeitos, lidas religiosamente pelo menos uma vez por semana pra evitar as recaídas, fazem efeito. Ela até viveu outras experiências e não desperdiçou novas sensações. Tudo com o mesmo objetivo. Acordar no dia seguinte e não lembrar de você imediatamente. Sem chance! Mais uma manhã... mais uma lembrança... mais acelerada é a pulsação. Ela já te disse que você é o cara mais legal e o mais chato que ela conhece. Mas não tem jeito. Ainda assim ela ama você. Pena que não entenda isso, que não consiga corresponder. Ela não é dependente de você. O que ela só quer é se sentir especial ao lado do homem que sua emoção escolheu pra amar, mas que sua razão insiste em dizer que não vale a pena.

quinta-feira, setembro 15, 2005

"Sou fera, sou bicho,
sou anjo e sou mulher
Sou minha mãe e minha filha,
Minha irmã, minha menina
Mas sou minha, só minha
e não de quem quiser"
Renato Russo

segunda-feira, setembro 12, 2005

Anúncio nos uniformes escolares.
Você é a favor ou contra?

Ah, se os R$ 70 milhões que teoricamente serão economizados com o patrocínio de empresas privadas realmente fossem destinados à construção de mais escolas, mais salas de aula e na melhoria do ensino público fundamental...

Eu, etiqueta

Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.

Minhas meias falam de produto
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu lençol, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,

Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo,
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências,
Costume, hábito, premência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer principalmente.)
E nisto me comprazo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou – vê lá – anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares, festas, praias, piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar,
Cada vinco da roupa.

Sou gravado de forma universal,
Seio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo de outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a coisa, coisamente.

Carlos Drumond de Andrade