sexta-feira, setembro 22, 2006

parafraseando chico

ah
eu não sei
se ele sabe o que fez
quando fez o meu peito
cantar outra vez...

domingo, setembro 10, 2006

Ode* ao Chico

As luzes vermelhas e amarelas se combinavam de tal forma que Chico Buarque e sua Banda pareciam estar em uma praia carioca, de Ipanema ou Leblon, num final de tarde com um pôr-do-sol maravilhoso. Durante aquelas duas horas inesquecíveis me sentia como aquela moça Dura na Queda. Era como se o sol ensolarasse a minha estrada e a lua alumiasse o meu mar.

A escultura no palco (de ferro talvez) que girava lenta sobre suas cabeças tinha formas contorcidas que lembravam os morros do Rio. Era bem capaz que fossem os contornos do Pão de Açúcar e do Concovado. Tudo feito para lembrar o Rio de Janeiro (que, claro, continua lindo!). Tudo de acordo com o tema do disco que intitula a turnê – Carioca. O cenário é assinado por Hélio Eichbauer.

As cadeiras do Tom Brasil, que a cada minuto ficavam mais duras e desconfortáveis, eram mero detalhe. A elegância de Chico beirava a timidez. A seriedade era rompida lentamente a cada aplauso. Os olhos poucas vezes se erguiam. O gingado se resumiu a um balançar de ombros em uma das últimas músicas, no terceiro bis (sim, porque foram quatro). Mas os movimentos eram desnecessários. Uma das apresentações mais expressivas foi a de João e Maria, a música que fechou o show. Ele estava imóvel, as mãos pousadas sobre as coxas e logo nas primeiras estrofes (Agora eu era o herói/E o meu cavalo só falava inglês/A noiva do cowboy/Era você/Além das outras três) os únicos músculos que se mexeram foram os do rosto, quando seus olhos se arregalaram. Era impossível ouvir a sua voz, abafada pelo coro formado pela platéia, em êxtase. Impossível saber se aquele arregalar era de satisfação ou não, mas o corpo e as mãos permaneciam ali, imóveis.

Os braços se mexiam em sincronia, em um jeito singular de andar, a cada vez que ele saía e voltava do palco, para mais um bis.

Tá bom. Para não dizer que eu só reparei nos trejeitos de Chico, no seu dedilhar no violão e no instrumento que ele tocou em Morena de Angola, me encantei também com a energia do percussionista, o mais empolgado da banda.

Morena de Angola foi a música mais tocante pra mim, por ter lembrado minha infância, o vinil de Clara Nunes que tínhamos em casa, e que minha mãe colocava para nós duas à tarde, depois das minhas sestas diárias, quando eu ainda era filha única. Nunca esqueci a bela voz de Clara Nunes. Nem sei se gostava mais do balanço da música ou do sotaque arrastado da cantora a cada “chucalho”, “cuchicho”, “cuchila”.

Em homenagem a ela, à minha mãe, a Chico, ao “meu amor”, à emoção que senti e à platéia que rompeu a etiqueta e cantou de pé, sambando e com os braços erguidos quando Quem te viu, quem te vê explodiu no palco, vai abaixo a letra completa de Morena de Angola.

“Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela
Será que ela mexe o chocalho ou o chocalho é que mexe com ela
Será que a morena cochila escutando o cochicho do chocalho
Será que desperta gingando e já sai chocalhando pro trabalho
Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela
Será que ela mexe o chocalho ou o chocalho é que mexe com ela
Será que ela tá na cozinha guisando a galinha à cabidela
Será que esqueceu da galinha e ficou batucando na panela
Será que no meio da mata, na moita, a morena inda chocalha
Será que ela não fica afoita pra dançar na chama da batalha
Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela
Passando pelo regimento ela faz requebrar o sentinela
Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela
Será que ela mexe o chocalho ou o chocalho é que mexe com ela
Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela
Será que ela mexe o chocalho ou o chocalho é que mexe com ela
Será que quando ela vai pra cama a morena se esquece dos chocalhos
Será que namora fazendo bochincho com seus penduricalhos
Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela
Será que ela mexe o chocalho ou o chocalho é que mexe com ela
Será que ela tá caprichando no peixe que eu trouxe de Benguela
Será que tá no remelexo e abandonou meu peixe na tigela
Será quando fica choca põe de quarentena o seu chocalho
Será que depois ela bota a canela no nicho do pirralho
Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela
Eu acho que deixei um cacho do meu coração na Catumbela
Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela
Morena, bichinha danada, minha camarada do MPLA”

*Ode: composição poética, de caráter lírico (by Aurélio).